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O ADN das nações

  Vivemos tão focados no curto prazo que nos esquecemos de fazer leituras transversais da nossa história, o que nos priva de uma certa sabedoria, tão importante para relativizarmos o momento presente ou, sobretudo, para não o estranharmos. A centralização e o paternalismo fazem parte do ADN português desde sempre, sendo que as poucas exceções vêm apenas confirmar a regra. Refira-se o exemplo de, na Idade Média, não termos assistido ao feudalismo (que dava, noutras geografias, amplos poderes aos senhores e foi enfraquecendo as casas reais), mas antes ao senhorialismo, pois quase sempre registámos uma forte centralização do poder real. Do mesmo modo, nas gestas quinhentistas, não foram os mercadores que se aventuraram mar adentro e por sua conta. Não, senhor. A magnífica frota lusitana partia a expensas da coroa, que arriscava, mas não sem retorno. Risco não é connosco, o povo, como também não é a iniciativa que o risco pressupõe, ou a responsabilidade pelos logros (ou mesmo pelos lo...

PORTUGAL MENOS DEMOCRÁTICO – SERÁ UMA SURPRESA?

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É do final do mês passado a apresentação do  Relatório Global sobre o Estado da Democracia , relativo a 2020. Com 158 países sob escrutínio em vários parâmetros, o Relatório revela que Portugal foi o único país da Europa Ocidental que registou uma queda em três dos parâmetros que medem a qualidade das democracias. A autoria do Relatório é do Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Social (International IDEA), com sede em Estocolmo, que o realiza desde 1975. w a1.JPG w As áreas em que Portugal retrocedeu foram  a independência judicial ,  ausência de corrupção  e  igualdade perante a lei  – sendo o único país da Europa Ocidental que regista uma queda em três parâmetros de avaliação, e o país que evoluiu pior face a 2019. No acesso à justiça, a pontuação de Portugal é de apenas 0.71, contra 0.87 da Europa Ocidental; na independência judicial, a pontuação de Portugal é de 0.74, contra 0.78 na Europa Ocidental; na ausência de corrupção, a pontua...

PRODUTIVIDADE EM PORTUGAL: A QUADRATURA DO CÍRCULO

  Um dos enigmas do nosso país tem a ver com a ausência de relação entre produtividade e qualificação. A regra diz que uma maior produtividade corresponde a uma maior qualificação: as pessoas mais qualificadas produzem mais. Em Portugal isso não acontece. Um estudo da FFMS acabado de publicar (cuja  leitura  é muito recomendável) vem confirmar essa estranha realidade portuguesa: em 2000 havia 9% de licenciados e, no ano de 2020, há 30% de licenciados. No entanto, esse aumento de qualificação no mercado de trabalho não se refletiu no aumento da produtividade, sendo Portugal o 7º país da EU que gera menos riqueza por cada hora de trabalho (ver  aqui ). Em busca dos porquês deparamo-nos com empresas|instituições presas a metodologias obsoletas e a um elevado nível de rotinização. Encerradas em tarefas rotineiras, das quais aparentemente não conseguem sair, as pessoas perdem a capacidade de inovar, de crescer e de fazer crescer. Sem mais horizonte do que o de uma cadeia ...

CIDADÃOS ATENTOS, PRECISAM-SE

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Duas das técnicas de manipulação de informação mais comuns são a exploração do medo e a exploração da ignorância, em detrimento da racionalidade e da comunicação integral dos factos. Em matéria de pandemia temos assistido ao crescimento de ambas de uma forma preocupante, deixando as pessoas, as famílias e a sociedade à mercê de medidas avulsas e sem capacidade de crítica ou contestação. Faz-nos bem de vez em quando irmos às fontes primárias, sobretudo quando percebemos que os intermediários (porta-vozes e jornalistas) recorrentemente não o fazem, mostrando apenas um aspeto da realidade, distorcendo-a. Por exemplo, existe um  site oficial de vigilância da mortalidade em Portugal , que nos dá os números de óbitos em tempo real desde 2009. Ao dia em que escrevo este artigo, 22 de novembro de 2021, registaram-se em Portugal 334 óbitos, 319 referidos como morte natural, um como causa externa e 14 em investigação. Na mesma fonte oficial, à qual todos temos acesso, a mortalidade é referid...

SERMOS POBRES NÃO É INEVITÁVEL

  Dados: - Um em cada cinco portugueses é pobre, o que perfaz 1,7 milhões de pessoas. 30% dos pobres são trabalhadores ativos. ( Estudo  da Fundação Francisco Manuel dos Santos). - A carga fiscal portuguesa é demasiado alta tendo em conta o produto interno bruto (PIB) per capita nacional. (A conclusão é da OCDE, no relatório anual sobre política tributária.)   Enquanto o noticiário nos mostra diariamente casos de polícia que atravessam uma casta de aparentes intocáveis em vários setores da sociedade, continua o português médio a ser chamado a cobrir os imensos danos desses eleitos, entrando à bilheteira sem ter posto sequer o pé na sala de cinema. Estamos, os cidadãos, como os pais remediados que se esfolam pelos filhos malcriados, dando-lhes tudo o que não tiveram (como se isso fosse virtude) e pagando-lhes as contas que desavergonhadamente eles contraem em hotéis de cinco estrelas, onde eles próprios nunca ousaram entrar. Ocorre-nos a imagem de Saturno devorando o ...

Onde menos se espera, aí está Deus

  Por vezes Deus descontrola as nossas continuidades, provoca roturas, para que possamos crescer, destruir em nós uma ideia de Deus que é sempre redutora e substituí-la pela abertura à vida, onde Deus se encontra total e misteriosamente. É Ele, o seu espírito, que nos mostra o nosso nada e é a partir do nosso nada que podemos intuir e abrir-nos à imensidão de Deus, também nas suas criaturas, todas elas. O primeiro olhar do crente é um olhar de espanto e o segundo de veneração – por todo o mundo criado, sem exceção. A gratidão emerge como pano de fundo em todo o tempo que assim se transforma em tempo em Deus. Nele começa e nele acaba ou nele continua, porque Deus é ato puro e a nossa vida só nele se encontra e justifica. Fora Dele, nada. Ou vacuidade. Deixar-se envolver pela glória de Deus é apenas estar disponível para o perceber em tudo o que nos rodeia, abstendo-nos de rotular os acontecimentos de acordo com as nossas preferências. A preferência de Deus é o que vivemos, a preferê...

Transformados pela espera

  Das virtudes teologais, a esperança é talvez a mais invisível, incompreendida e, no nosso tempo, desprezada. Custa esperar. Esperar o quê e para quê? E como se espera?   Num tempo que promete tudo a curtíssimo prazo, a esperança cristã parece um adereço de velhos, um artifício em desuso e sem graça. O que está na moda são os passos frenéticos em direção a mil lugares, o tumulto interior deixando indecifrados tantos sinais, a agitação exterior buscando distrações, dispersando-se em deveres e implodindo em rotinas…   Num mundo que promete felicidades fáceis e à mão, correr atrás delas é o mote, invejando a correria dos outros que lá chegam primeiro. E, ali, compulsivamente gerar  likes  e  stories , já cá estive e sou o máximo, como se a felicidade fosse um puzzle de lugares de sonho ou de gente importante.   A espera pode então ser vista como o reduto dos pobres, aqueles que se permitem nadar no tempo porque o têm, submergindo e deixando de ouvir os r...